A humanidade conhece, admira e respeita, no campo religioso, vultos que, até
entenderem e aceitarem o Cristo, poderiam ser, ainda que de forma equivocada,
considerados inconvertíveis. A história de todos eles retrata uma luta íntima, caracterizada
por um período de transição em que, ao despertarem para a verdade do Cristo, convertem-se em apaixonados pela Luz. Figuras que buscam honrar a obra e o pensamento de Jesus,
entender-lhe a divina vontade e viver-lhe os ensinamentos: Paulo de Tarso, Madalena ou
Maria de Magdala, Zaqueu... Em cada um deles, vimos o despertar, a conscientização e a
transformação através do Cristo.
Para cada um deles não bastou, como não basta para nenhum de nós, apenas o
arrependimento dos atos praticados, porque este é só o primeiro passo. É preciso ir além, e
eles foram. Regeneraram-se, transformaram-se e resgataram, até o último centavo, seus
débitos com a lei divina. Foram salvos por Jesus, porque assim desejaram.
O tema em pauta fala de salvação, de amparo e da não desistência do Amado
Mestre para nos acordar. A Parábola da Ovelha Perdida ou Desgarrada, base das nossas
reflexões, é semelhante à Parábola da Dracma Perdida, e pode também ser entendida na
Parábola do Filho Pródigo.
No Evangelho de Lucas, capítulo 15, versículos 4 a 7, Jesus coloca a seguinte
pergunta aos discípulos e ao povo que o ouviam: “Que homem dentre vós, tendo cem
ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove, e vai atrás da
perdida até que venha a achá-la? E achando-a, coloca-a sobre os ombros. E chegando a
casa, convoca os amigos e vizinhos dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque achei a
minha ovelha perdida. Digo-vos que haverá mais alegria no céu por um pecador que se
arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento”.
Podemos compreender que, assim como um pastor se aflige e sai à procura de uma
só de suas ovelhas que não tenha penetrado o redil, e por fim a encontra, e alegrando-se
com isso a traz de volta, porque todas merecem o seu cuidado e por todas se sacrifica,
também quando um homem se desvia do caminho certo, a palavra do Senhor o alcança, e
se é ouvida, o fato é comemorado, porque há sempre alegria quando o evangelho atinge
um coração e ele se redime.
Todos nós teremos esse momento glorioso. Para todos nós aplicam-se as palavras
do dito popular de que o fruto só amadurece quando chega seu tempo, pois assim como o
Mestre resgatou Madalena à beira do abismo, dos vícios e da vaidade, tirou Zaqueu no
despenhadeiro da ganância, Judas Iscariotes sobre as escolhas perigosas que estava
fazendo, os mensageiros do Cristo buscam todos aqueles em iminentes quedas nos vícios
e na miséria moral.
Os enviados do Alto estão, constantemente, “advertindo todos os seres encarnados
que se defrontam com problemas agudos do crime, da intemperança e da revolta”. (1) Paulo
de Tarso encontrou Jesus, já em Espírito, na estrada de Damasco, convidando-o a
abandonar o fanatismo e a perseguição que fazia aos cristãos. Assim também os enviados do Cristo agem, constante e abnegadamente, para erradicar a fé cega e a intolerância
religiosa em que os seres humanos estão mergulhados.
Sabemos que o corpo material denso, que abriga o Espírito, é um imenso obstáculo à
assimilação desses conselhos. Todavia, é nos momentos de reflexão e repouso, em que os
laços materiais que unem corpo e Espírito são afrouxados, que esses amigos dedicados ao
bem têm condição de se fazerem sentir, hora em que suas influências benfazejas nos
alcançam.
O convite de Jesus a Paulo não foi, portanto, apenas para ele, mas para toda a
humanidade.
A afirmação do Mestre de que há mais alegria no céu por um homem que se
arrepende de seus atos, do que por noventa e nove justos que não necessitam de
arrependimento, joga por terra a crença inaceitável da condenação eterna e irremissível das
almas.
O Evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo 27, itens 20 e 21, mostra que,
segundo o dogma da eternidade absoluta das penas, nem os remorsos e o arrependimento
são considerados a favor do homem que errou nas suas escolhas. Para ele, todo o desejo
de melhorar-se é inútil; está condenado a permanecer eternamente no mal.
Todavia, a lei divina é justa, equitativa e misericordiosa, e não fixa nenhuma duração
para a pena, qualquer que seja ela. Assim, o Evangelho é claro quando afirma que:
1 – O homem sofre as consequências de suas faltas; não há uma única infração à lei de
Deus que não tenha efeitos dolorosos;
2 – A severidade desses efeitos é proporcional à gravidade da falta;
3 – A duração deles, para qualquer falta, é indeterminada, pois fica subordinada ao
arrependimento e ao seu retorno ao bem;
4 – É necessária, também, a reparação da infração à lei de Deus. É por isso que nós nos
vemos submetidos a novas provas, nas quais podemos sempre, pela nossa vontade de
fazer o bem, reparar o mal anteriormente praticado.
Como podemos perceber, não basta querer modificar-se. É imprescindível que haja
vontade real e firme decisão de não mais abandonar o rebanho.
Deus é Pai de Amor, e Ele “não deseja a morte do ímpio, não quer a condenação do
ingrato, do injusto, mas sim a sua regeneração, a sua salvação, a sua vida, a sua
felicidade”², ainda que para isso ele tenha que retornar à Terra, tantas vezes quantas forem
necessárias, trazendo no seu corpo as marcas do seu débito com a lei divina.
Apesar de tudo isso, sua salvação é tão certa como a da ovelha perdida e lembrada
na parábola, “porque todos que arrastam o peso da dor, os guias e protetores os assistem
para conduzi-los ao porto seguro” ³ do amor de Deus.
Em O Livro dos Espíritos, da questão 1007 a 1009, Allan Kardec coloca uma série de
dúvidas aos Espíritos Superiores que merecem destaque, e uma delas é a seguinte:
pergunta o codificador se existem Espíritos que jamais se arrependem. Respondem os
amigos dos planos espirituais mais elevados que muitas vezes o arrependimento é tardio,
mas pretender que jamais melhorem seria negar a Lei do Progresso e dizer que a criança
não pode se tornar adulta. Lembram-nos que Deus não deseja senão o bem de Suas
criaturas, aceita sempre o arrependimento e o desejo de melhorar nunca é estéril.
Concluem os Espíritos Superiores que por isso as penas impostas jamais poderiam
ser eternas. Que isso seria a negação da bondade de Deus, lembrando-nos, mais uma vez,
que a eternidade das penas corresponde à eternidade do mal. Então, enquanto existir o mal
entre os homens subsistirão também as penas. A eternidade é, portanto, relativa e não
absoluta.
A Parábola da Ovelha Perdida dirige-se a todos nós: ao rico avarento e egoísta; ao
pobre revoltado; ao pai que não educa; ao filho ingrato; ao homem preguiçoso e ao juiz
parcial.
Dirige-se também aos que têm o dever de pregar as verdades divinas e não o fazem;
aos cônjuges que traem, em todos os aspectos, os compromissos assumidos com os
companheiros de jornada; aos falsários, sonegadores, ciumentos, invejosos, e a todos
aqueles que enveredaram pela porta larga da devassidão e da falta de respeito pelos
direitos alheios.
Mas dia virá, prosseguem os Espíritos Iluminados, orientando-nos a jornada, em que
todos os homens se revestirão, pelo arrependimento, da roupagem da inocência, e nesse
dia não haverá mais sofrimentos.
Leda Maria Flaborea – A ovelha perdida - O Consolador – Nº 276 – 02/09/2012
Bibliografia:
(1). Godoy Paulo Alves, As Maravilhosas Parábolas de Jesus, “A Parábola da Ovelha
Perdida, (pag. 31).
(2). Schutel Cairbar, Parábolas e Ensinos de Jesus, (primeira parte), (pag. 18).
(3). Godoy Paulo Alves, Idem.
Consulta: Peralva Martins, O Evangelho Puro, Puro Evangelho, “A Conversão de Saulo”,
(pag. 211)
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