Nas páginas do Evangelho, escritas por alguns dos apóstolos de Jesus, vamos
encontrar uma citação (Lucas, 19:1-10) referente à figura de um homem de baixa estatura,
cobrador de impostos, que na ânsia de conhecer o Messias subiu em um sicômoro –
espécie de figueira pequena, oriunda do Egito – onde pôde ver e ser visto pelo Cristo de
Deus, o qual naquele instante chamou-o pelo nome – Zaqueu -, dizendo que passaria
aquela noite em sua casa.
No livro "Ressurreição e Vida", psicografado pela médium Yvonne do Amaral
Pereira, o grande escritor russo Leão Tolstoi (leia texto no final da entrevista) descreve um
encontro que teve com aquele que conheceu Jesus, e apresenta informações importantes
transmitidas por ele, que resolvemos colocar nas páginas deste periódico, em forma de
entrevista.
Primeiro, apresentaremos a figura do publicano da cidade de Jericó, na Palestina da
época em que a Terra foi abençoada com a presença daquele que seria, e é, a luz do
mundo, pelos olhos do apóstolo russo Tolstoi:
"Olhei-o, àquele a quem haviam chamado Zaqueu. Semblante sereno, bondoso,
enternecido, ainda jovem. Olhos cintilantes e perscrutadores, como alimentados por uma
resolução invencível. Lábios finos, queixo estirado, com pequena barba negra em ponta,
recordando o característico fisionômico dos varões judaicos. Tez alva, sobrancelhas
espessas, mãos pequenas, pequena estatura, coifa discreta, listrada em azul forte e branco,
manto azul forte, barrado de galões amarelos e borlas na ponta.
"
Eis a seguir a entrevista:
- Zaqueu, você poderia nos recordar seu encontro com Jesus, em Jericó, onde você
residia?
ZAQUEU: A bondade do Mestre Galileu, honrando-me com uma visita e uma refeição em
minha casa, eu, um renegado pela sociedade porque um "publicano", tocou-me para
sempre o coração, conforme sabeis... Ele compreendeu as minhas necessidades morais
de estímulo para o Bem, o meu aflitivo desejo de ser bom. Penetrou, com sua solicitude
inesquecível, os mais remotos escaninhos do meu ser moral; contornou, com seu amor de
Arcanjo, todas as aspirações do meu Espírito, filho de Deus, que sofria por algo sublime que
lhe aclarasse as ações... E conquistou-me, assim, por toda a consumação dos séculos.
- Narra o Evangelho que no dia da crucifixão de Jesus os apóstolos os abandonaram.
Você estava lá naquelas horas de sofrimento?
ZAQUEU: Muito sofri e chorei quando esse Mestre foi levantado no suplício da cruz. Não,
eu não o abandonei jamais, desde aquele dia em que passou por Jericó! Segui-o. E o pouco
que ainda viveu depois disso teve-me em suas pegadas para ouvi-lo e admirá-lo. Eu não
me ocultei das autoridades receando censuras ou prisão, nem tive preconceitos, e
tampouco me importunou a vigilância dos tiranos de Roma ou o despeito dos asseclas do
Templo de Jerusalém. Achava-me bem visível entre o povo, transitando pelas ruas, embora ignorado, humilhado pela minha condição de funcionário romano... E assisti aos estertores
da agonia sublime naquela tarde do 14 de Nisan.
- Como foram aqueles momentos sublimes da reaparição do Cristo, após o terceiro
dia de sua morte?
ZAQUEU: Soube, é certo, da ressurreição que a todos revigorou de esperanças... Mas não
logrei tornar a ver e ouvir o Mestre, não fui bastante merecedor dessa ventura imensa... Ele
só se apresentou, depois da ressurreição, aos discípulos – homens e mulheres – e aos
apóstolos.
- O que você fez depois?
ZAQUEU: Inconsolável por sua ausência e sentindo em mim um vazio aterrador, meu
recurso para não desesperar ante a saudade e o pesar pelo desaparecimento desse Amigo
incomparável foi insinuar-me entre seus discípulos, a fim de ouvir falarem dele...
Fui a Betânia, quantas vezes?... e tentei tornar-me assíduo da granja de Lázaro, de tão
gratas recordações... Mas tudo ali estava tão mudado e tão triste, depois do 14 de Nisan...
Visitei Pedro, esperando consolar a minha grande dor ouvindo-o dissertar sobre Aquele que
se fora do alto do Calvário, com a eloquência com que sempre soube arrebatar as
multidões.
Perlustrei, choroso e desarvorado, as praias de Cafarnaum e de Genesaré, sem saber o
que tentar em meu próprio socorro, mas esperançado de que os irmãos Boanerges, filhos
de Zebedeu, me compreendessem e adotassem para discípulo do seu bando, como eu via
que acontecia a tantos outros... Mas nenhum deles sequer prestava atenção em minha
insignificante pessoa... Não me olhavam, não me viam, e eu temia importuná-los dirigindo-lhes a palavra... Eram tantos os pretendentes ao aprendizado do Amor, ao redor deles! Eles
tinham tantas preocupações, preparando-se, chocados, para o heroico apostolado!... E
como eu era "publicano", um malvisto cobrador de impostos da alfândega romana,
convenci-me, erroneamente, de que era por isso que não me recebiam.
Recolhi-me então à minha mágoa imensa, sem todavia deixar de seguir, discretamente, os
apóstolos, orando para que não tardasse o socorro a vir fortalecer a fé e a esperança que
eu depositava naquele reino de Deus que havia de vir. Recolhi-me, mas não desanimei.
- Zaqueu, você cumpriu a promessa que fez a Jesus de que dividiria seus bens com
os pobres, quando ele esteve em sua casa?
ZAQUEU: Eu deixei Jericó, desliguei-me das funções aduaneiras, dei parte dos meus bens
aos pobres, com a outra parte, provi recursos para minha família, distribuí minhas terras
entre os camponeses mais necessitados, reservando o estritamente necessário à minha
manutenção pelos primeiros tempos. Fiz-me errante e vagabundo para acompanhar os
discípulos e ouvi-los contar às multidões as conversações intimas que o Senhor entretivera
com eles, antes do Calvário e depois da gloriosa ressurreição.
O dinheiro não acabou?
ZAQUEU: Como eu conhecesse bem as letras e as matemáticas, falando mesmo o grego,
tão usado em Jerusalém, e também o latim, igualmente usado graças à influência romana, à
parte os nossos dialetos da Síria, da Galileia e da Judéia, se me escasseavam recursos
apresentava-me às escolas mantidas pelas Sinagogas. Empregava-me ali como adjunto
dos escribas, para as lições aos jovens, ou então nas casas particulares ricas, como
professor, e assim ganhava meu sustento. Mas se não houvesse lições a transmitir era certo
que nunca faltariam madeiras a serrar, aqui ou ali; águas a carregar, a fim de saciar a sede
das famílias; paredes a reparar nas casas dos romanos, os quais, se eram agressivos no
trato pessoal com o povo hebreu, sabiam, no entanto, remunerar com justiça aqueles que
os serviam, desde que não se tratasse de escravos.
Mas, enfim, você conseguiu ou não aproximar-se de algum dos apóstolos de Jesus?
ZAQUEU: Um dia – foi em Jerusalém – correra a nova sensacional de que certo jovem
fariseu, responsável pelo apedrejamento e morte do nosso querido Estêvão, a quem o
Espírito do Senhor inspirava com tantas glórias, acabara por se converter à Causa, porque
o Senhor lhe aparecera em ressurreição triunfante, exatamente quando ele entrava na
cidade de Damasco, para onde se dirigia tencionando prender os nossos "santos" - os
primeiros cristãos assim de denominavam uns aos outros - domiciliados naquela localidade.
Aparecera-lhe o Senhor e convidara-o diretamente para o seu ministério, como o fizera aos
outros doze, antes de sua paixão e morte. E que, agora, já inteiramente submisso aos
desejos do Mestre Nazareno, com tremendas responsabilidades pesando-lhe nos ombros,
conferidas pelo mesmo Mestre, pela primeira vez ia falar à assembléia dos discípulos, em
Jerusalém.
- Você foi ouvi-lo?
ZAQUEU: Fui ouvi-lo. Esse fariseu era Saulo (Saul), o de Tarso, "que é também chamado
Paulo". Contou ele, à assembleia silenciosa e atenta, o seu colóquio com o Nazareno, à
entrada de Damasco, e logo conquistou o coração de muitos que se achavam presentes.
Foi de pé (alguns se ajoelharam) que ouvimos os pormenores da aparição do Senhor a
Paulo. Muitos choraram, eu inclusive, e também Paulo.
- Você procurou Paulo para conversar?
ZAQUEU: Nunca mais deixei Paulo, até hoje! Procurei-o então, em Jerusalém. Fui recebido
com afeto e bondade. Fiz-lhe a minha confissão, o que não tivera coragem de fazer aos
demais discípulos. Narrei-lhe os meus sofrimentos íntimos por Jesus. Quisera servi-lo, a ele,
Jesus. Sinceramente o queria! Mas não sabia como iniciar nem o que fazer. Paulo ouviu-me
com solicitude digna daquele mesmo Mestre que o admoestara em Damasco. E
aconselhou-me, e guiou-me!
- Você poderia nos dizer o que Paulo lhe disse?
ZAQUEU: Ele deu-me incumbências: - " Não te limites à adoração inativa, que poderá
cristalizar-se em fanatismo. A Doutrina de Jesus é afanosa por excelência... E ela precisa de
servos trabalhadores, enérgicos, ágeis para mil e uma peripécias, de boa-vontade para a
propagação da Verdade que nos trouxe...Tu, que possuis noções da prática da
beneficência, testemunha o teu amor por ele, servindo também aos teus irmãos que sofrem
ou erram, pois tal é o segredo da boa prática da nova Doutrina. Nenhum de nós será tão
pobre que não possa favorecer o próximo com algo que possua para distribuir: o pão, o
lume, o agasalho, o bom conselho, a advertência solidária, a assistência moral no infortúnio,
o ensinamento do Bem, a lição ao ignorante, a visita ao enfermo, o consolo ao encarcerado,
a esperança ao triste, o trabalho ao necessitado de ganhar o próprio sustento
honrosamente, a proteção ao órfão, o seu próprio coração amigo e irmão em Cristo, a prece
rogando aos Céus bênçãos que aclarem os caminhos dos peregrinos da vida, o perdão
àqueles que nos ferem e nos querem mal..."
- Caro amigo, depois que enfim você se tornou um dos discípulos ativos de Jesus,
você pôde viver aquelas experiências, que nos mostram os evangelhos, de curar
enfermos, afastar espíritos...?
ZAQUEU: Se não curei leprosos, estanquei a aflição de muitas lágrimas com exposições
em torno do Mestre. Se não levantei paralíticos, pelo menos ergui a coragem da fé em
muitos corações desanimados ante a incúria pelas coisas santas. Se não expulsei
demônios, é certo que alijei o ateísmo, recuperando almas para o dever com Deus. E se
não ressuscitei mortos, renovei esperanças na alma de muitas matronas desgostosas com a
indiferença dos próprios filhos na prática do Bem, revigorei a decisão de muitos pecadores
que temiam procurar o bom caminho, porque envergonhados de se apresentarem a Deus,
pela oração, a fim de se renovarem para jornadas reabilitadoras.
- E como tudo isso repercutiu em sua própria evolução?
ZAQUEU: Minha alma se alegrava em Cristo, dilatavam-se os meus propósitos de
progresso. Eu sentia que, de dia para dia, quando orava, mais incidiam sobre mim forças e
novas bênçãos para mais se desdobrarem em operações objetivas, que tendiam a me fazer
comungar com a vontade daquele Unigênito dos Céus, que um dia penetrou os umbrais
pecaminosos de minha casa para me levar a salvação. E encontrei, então, dentro de mim
próprio, aquele Reino de Deus que ele anunciara... Encontrei-o na paz do dever cumprido,
que me embalava o coração...
Leão Tolstoi na espiritualidade
Escritor e reformador religioso russo, descendente de uma família de latifundiários
aristocráticos, Leão Tolstoi (1828-1910) teve mocidade materialmente feliz, embora
secundada por angústias descritas em suas obras autobiográficas Infância, Adolescência e
Mocidade. Na condição de oficial do Exército russo, serviu no Cáucaso e participou também
da guerra da Criméia. Autor de obras magistrais como Os cossacos, Contos de Sebastopol,
Guerra e Paz, Anna Karenina e Ressurreição, fundou em sua fazenda de Iasnaia Poliana
escolas e obras assistenciais para os camponeses; contudo, por causa dos escritos Breve
explicação dos Evangelhos e O que é minha fé, acabou excomungado pela Igreja russa.
Na espiritualidade desde 1910, Leão Tolstoi continua a produzir obras notáveis, como os
livros Ressurreição e Vida e Sublimação (este em parceria com Charles), psicografados por Yvonne A. Pereira e publicados pela Editora da FEB; e, mais recentemente, A Eterna
Mensagem do Monte e Mansão dos Lilases, psicografados por Célia Xavier de Camargo e
publicados pela Casa Editora O Clarim. (Da Redação)
José Antônio Vieira de Paula – Entrevistando Zaqueu - O Consolador – Nº 3 – 02/05/2007
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